segunda-feira, 14 de novembro de 2011

SOBRE RIFLES E VASSOURAS

Quando existe a intenção de ofender o outro ou diminuí-lo, normalmente usam-se palavras ou expressões pesadas, abertamente ofensivas e, assim, aquele que ofende mostra-se a que veio, sem rodeios ou meias-palavras. Não existe o fator “foi-sem-querer”. A coisa torna-se mais feia a partir do momento em que a mensagem fica no mundo subliminar, quase que intelectual, pois espera-se que o objeto da ofensa entenda sem a necessidade de muitas explicações. Penso então que esse sujeito da ação pode ser considerado um perfeito covarde, pois esconde-se atrás das palavras e dos seus achismos. Não dá a cara ao tapa.

O que você, leitor/leitora, pensaria se alguém lhe configurasse a uma profissão tão nobre, sem ironias, quanto a de Empregada Doméstica? No mínimo, segundo regras da nossa própria sociedade, é uma sugestão de falta de qualificação profissional por meio de cursos escolares, técnicos ou universitários e blábláblá (aliás, errado pensa que hoje em dia não há cursos reconhecidos para tal atividade). Ou então, uma sugestão de vida de pobreza e necessidade. Ainda, uma sugestão para a auto-sujeição, o que denota a capacidade de fazer coisas que uma pessoa de alto nível (...) não faria mais.

Ninguém pensaria pelo lado de que uma empregada de serviços domésticos tem o dom de servir pelo injusto preço de um baixo salário. Ou que ela (e eles já existem também, que bonito!) tem o dom da estética, o que não é pra qualquer um. Não estou falando daquelas que arrumam uma casa de qualquer jeito, “mal-e-porcamente”. A estas deixo somente meu lamento. Mas falo das que se empenham em tornar tudo mais bonito e limpo. Daquelas que se afeiçoam a seus patrões e patroas e fazem tudo como se fossem pra elas mesmas ou para suas próprias famílias. E a isto dou o nome de dom do amor. Porque por amor, faz-se tudo melhor e com afinco. O amor é o catalisador das coisas boas e de boa aparência. O amor deveria ser o combustível de todas as ações.

Quando era mais nova e morava com meus pais, tive três experiências marcantes quanto às auxiliares dos serviços de casa que passaram por nós. A Dona Isabel, a Cida e a Maria Tereza. Pessoas simples e de excelente coração. Nunca vi nelas um só momento de insatisfação por estarem ali trabalhando e executando serviços pesados como são os de manutenção de uma casa. Mas sempre estavam sorrindo e, mesmo com seus problemas pessoais, não nos transmitiam que seu serviço era um fardo. O barulho de suas risadas estará para sempre na minha memória. E o resultado disso tudo era uma casa que era um “brinco”! Elas são os bons parâmetros que adquiri quanto a essa profissão.

Houve um período em que abracei estar em casa para cuidar dela e da minha família. Assumi isso pra mim e não lamentei por não trabalhar fora exercendo minha profissão. Vi o quanto esse trabalho dispensa dignidade a quem o faz, pois é árduo e diário. Sempre há o que se fazer. E vi que quem tem limitações físicas não deve fazê-lo. Foi o que descobri a meu respeito e desde então já não sinto mais prazer, mas dor. Este é o meu revés. Somente por este motivo não procuraria por esse emprego. Hoje, trabalho fora porque surgiram necessidades prementes. Mas quem tem uma casa deve cuidar dela porque esta é sua obrigação e não de outrem, somente se pago e ainda assim sob sua liderança.

Portanto, não há demérito em considerar que o outro é inferior por ser de um nível social mais baixo, ou porque faz trabalhos de manutenção, ou por estar aos seus pés ou do outro lado do balcão lavando a louça. Fazer qualquer coisa com dignidade combina com todo mundo. Até acaba com a arrogância daqueles que, por estarem “pagaaaaaaando”, pensam coisas altivas demais de si mesmos.

“Meu coração não é soberbo, ó meu Senhor, nem traz o meu olhar arrogância ou altivez qualquer. Coisas demais não procuro que sejam grandiosas, nem maravilhosas demais pra mim. Mas em sossego eu fiz calar minh’alma. Como a criança que descansa com a sua mãe, eu fiz calar a minha alma em mim.” (Adaptação do Salmo 131.1,2 e cantada pelo grupo Elo).

O que você, caro leitor, cara leitora, pensaria se alguém desse a você e a sua família o título de “Família Buscapé”? Acaso, se sentiria diminuído ou menosprezado como certamente seria da intenção outra? Para quem participou da época do desenho de mesmo nome, foi extremamente lúdico e divertido assisti-lo. Era uma família de ursos do interior, que não arredava os pés de suas raízes e não abria mão do sossego e da tranquilidade. Moravam numa choupana o Zé Buscapé, sua mulher Bié e seus filhos Rosinha e Chapeuzinho. Defendiam seu estilo de vida e achavam muito estranho aqueles ricaços se interessaram por seu pobre pedaço de chão.

Infelizmente minha família e eu fomos alcunhados assim. E sabemos que houve maldade na intenção. Realmente somos pobres e não temos, por enquanto, onde cairmos mortos. Mas o que nos torna ricos é a graça, maravilhosa, que nos envolve e nos coloca dentro do raio de ação de Deus. Desse pedaço de chão que nos foi oferecido na cruz por Jesus não abrimos mão mesmo. É o único legado que nos faria falta. Portanto, nós o defenderemos com trabuco, unhas e dentes! A La Buscapé! Pode ser um discurso conformado, do tipo “somos-pobres-mas-somos-limpinhos”, mas é muito mais do que isto. É o discurso de quem acredita que as circunstâncias não movem nossa fé, pois ela tem sido construída na rocha que é mais forte do que nós. E por isso nossa choupana não será abalada porque tem suas estruturas fixadas na mais rígida pedra. Venham ventos ruidosos e fortes, chuvas torrenciais e inimigos prontos para nos tirar a paz, estaremos firmados nAquele que detém todo o poder no Seu próprio nome.

Digo aos que tentaram nos menosprezar: perderam seu tempo. Vamos sair desse momento extremamente difícil com os olhos fitos em nosso alvo principal, que não é ganhar rios de dinheiro ou morar numa “big” de uma casa. Mas crescermos e nos colocarmos à estatura de Cristo, nos assemelharmos mais e mais à imagem de Deus, como é o objetivo deste maravilhoso e incrível Forjador de metais no fogo (Ele se sentará como um refinador e purificador de prata; purificará os levitas e os refinará como ouro e prata. Malaquias 3.3). E durmam com um barulho deste!

Et carpe sonu.

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